SOFRIMENTO NO ANTIGO TESTAMENTO
SOFRIMENTO NO ANTIGO TESTAMENTO
Otoniel Monteiro Cavalcante 1
Introdução
Pensar sobre a questão do sofrimento se faz necessário para a compreensão correta de quem é Deus e de como se dá sua relação com a dor e sofrimento humano.
O mundo vive hoje um problema sério quanto o sofrimento. Muitas famílias em ocasião da pandemia do Covid-19 têm chorado seus mortos, outros tantos neste exato momento sofrem as consequências do agravamento da doença, outros sofrem somente pelo medo de se imaginar contaminado.
O medo, a dor, o mal, as adversidades normalmente nos colocam em um estado de sofrimento, e nos leva a questionamentos quanto o “problema do mal”, e qual o motivo que Deus permite o sofrimento do homem.
Na tentativa de melhor entendimento da relação “Deus todo-poderoso”, “Deus todo- amoroso” e “existência do mal” de maneira a mostrar que, a despeito do mal, Deus continua justo, bom e poderoso foi historicamente denominada Teodiceia. (SAYÃO, 2012, p.26)
Teodiceia é uma palavra formada por duas palavras gregas que conforme bem definido por Luiz Sayão, “a palavra foi cunhada em 1710 pelo filósofo alemão Gottfried Leibnitz (1646-1716). Seu sentido é “justificação de Deus” (do grego θεός - "Deus" e δίκη "justiça"). (SAYÃO, 2012, p.26)
Toda discussão realizada sobre o tema do problema do mal, e consequentemente o problema do sofrimento se constitui uma teodiceia.
Segundo Sayão existem algumas vertentes em relação à teodiceia como pode se verificar:
• Teodiceia do livre-arbítrio
• Teodiceia Pedagógica
1 Mestrando em Ministério pelo Seminário Batista Logos, Bacharel em Teologia pelo Instituto Betel de Ensino Superior (IBES), validação de crédito pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Pastor da Comunidade do Calvário em Francisco Morato – SP, professor do nível médio de teologia do núcleo da EETAD na cidade de Francisco Morato – SP, Administrador de Obras, músico, voluntário, escritor.
• Teodiceia Escatológica
• Teodiceia protelada
• Teodiceia de comunhão (SAYÃO, 2012, p. 27-30)
Todas as vertentes procuram de alguma forma explicar a relação Deus-bom-todo- poderoso e a existência do mal, porém, conforme bem lembrado por Walls e Dongell,
“o mal é mais do que um quebra-cabeça a ser resolvido pela lógica e pela razão. Ele é também uma profunda experiência de sofrimento e tragédia que pode esmagar nossos espíritos e nos levar a questionar se Deus é realmente bom, ou mesmo se ele existe. Os clamores dos salmistas e dos profetas são testemunhos eloquente de que o mal, em suas várias formas, tanto angustia nossas almas quanto confundem nossas mentes.” (WALLS e DONGELL, 2014, p.189)
Quando se volta o olhar para o Antigo Testamento, se obtém algumas perspectivas importantes quanto a relação de Deus em todo seu poder e soberania, e o problema do mal que aflige a humanidade.
E é na própria Escritura que se encontrará as respostas que ainda que sejam futuras, dá a humanidade uma perspectiva de se viver o plano de Deus em sua totalidade, sem as interferências externas, que levaram a raça humana a viver em um mundo em que o sofrimento faz parte dele, como se mostrará no decorrer desse trabalho.
É importante frisar que, a intenção deste artigo, embora seja se debruçar sobre um tema tão controverso e complexo, não se tem como objetivo ser a resposta última quanto o problema do sofrimento. O que se pretende com a seguinte reflexão é que a mesma auxilie na busca de entendimento e melhor compreensão quanto os propósitos de Deus, e aprender as lições necessárias a partir de um tema tão intrigante.
Capítulo 01 – O Sofrimento no Antigo Testamento
O Antigo Testamento (A.T) é um campo fértil quanto à questão do sofrimento no mundo. Sendo um assunto tão antigo quanto à existência da humanidade, e de difícil entendimento, cabe, mesmo não se obtendo a definição última quanto a solução do assunto, uma reflexão de como o problema do sofrimento é observado pelo povo de Israel, em suas diversas fases da história.
No pensamento bíblico do Antigo Testamento, pode se observar mudanças consideráveis quanto à percepção da razão ou da causa do problema do sofrimento entre o povo.
No livro de Gênesis, o problema do sofrimento é para alguns estudiosos, ocasionado pelo uso inadequado do livre arbítrio, ou seja:
“O mal procede da escolha humana. A partir do pecado de Adão e Eva, há uma aceleração do mal no mundo. As rupturas entre Deus e o homem, o homem e a natureza, o homem consigo mesmo e o homem e o seu próximo se estabelecem e há um crescimento enorme da maldade humana.” (SAYÃO, 2012, p.41)
É importante entender que dentro da narrativa da criação em Gênesis, Deus criou o homem perfeito e viu que era muito bom (Gn 1.31), e que em primeiro momento a questão do sofrimento não está em pauta, contudo, “a possibilidade de que a raça humana caísse de sua condição de perfeição já existia na proibição, por parte do Senhor Deus, de que o homem comesse da árvore do conhecimento do bem e do mal (Gn 2.17)”. (MERRILL, 2009, p.204)
Essa possibilidade proporcionada pela liberdade dada por Deus ao homem em escolher obedecer ou se voltar contra a proibição, mostra uma característica importante do ser criado à imagem de Deus, e por essa caraterística “nada em seu ser o impelia a pecar” (MAIA, 2015, p.28), e que a “tentação exterior poderia atraí-lo, mas não poderia força-lo a transgredir o mandamento divino” (MAIA, 2015, p.28).
Era necessário que o homem em sua liberdade fosse provado para que,
“pudesse ver por si mesmo que ele, genuinamente podia tomar decisões independentes e, assim, demonstrar sua “semelhança de imagem” para sua própria satisfação.
O fato de ele escolher erroneamente e arrastar a si mesmo e à raça humana à condição de caído revela apenas quão legítima era a escolha e quão e trágica foram suas consequências.” (MERRILL, 2009, p.205)
A escolha errada feita por Adão, não coloca Deus como causador do mal, ou como impossibilitado de ter evitado o mal. Não fere a onipotência e a bondade de Deus. O que se dá nesse cenário é que “Deus não interviu ativamente para prevenir isto (a queda), porque a tentação era a única maneira de aperfeiçoar o caráter do homem.” (MAIA, 2015, p.48)
O caráter probatório da tentação do homem era única e exclusivamente para que dentro de uma relação com o Criador, houvesse a confiança absoluta em Deus e demonstrasse que o homem se submeteria totalmente a Ele. Afinal, Deus cria o homem para que o mesmo pudesse funcionar como o vice-regente (MERRILL, 2009, p.153), em que macho e fêmea tivessem o governo, domínio sobre todas as coisas (Gn 1.26-28).
E é a partir da perspectiva da quebra da “relação mútua” (MERRILL, 2009, p.154) “Deus, homem, animal” (MERRILL, 2009, p.158), que “a história humana subsequente é um registro do fracasso do homem em reconhecer esses princípios divinos de estrutura social e permanecer nela.” (MERRILL, 2009, p.154)
Na continuidade do desenvolvimento bíblico do Antigo Testamento, o problema do sofrimento como já foi falado, seguem mudanças em sua compreensão.
Quando se faz uma leitura cuidadosa dos “textos deuteronomistas e dos primeiros profetas”, (SAYÃO, 2012, p.42) se observa a compreensão de que o sofrimento é meritório, que segue uma linha de merecimento, de recompensa, ficando assim condicionado a obediência ou não as leis divinas.
“Se vocês obedecerem fielmente ao Senhor, o seu Deus, e seguirem cuidadosamente todos os seus mandamentos que hoje lhes dou, o Senhor, o seu Deus, os colocará muito acima de todas as nações da terra. Todas estas bênçãos virão sobre vocês e os acompanharão, se vocês obedecerem ao Senhor, o seu Deus:
Vocês serão abençoados na cidade e serão abençoados no campo. Os filhos do seu ventre serão abençoados, como também as colheitas da sua terra e os bezerros e os cordeiros dos seus rebanhos. A sua cesta e a sua amassadeira serão abençoadas. Vocês serão abençoados em tudo o que fizerem (Dt.28.1-6 - NVI).”
O texto bíblico segue com o contraponto:
“Entretanto, se vocês não obedecerem ao Senhor, o seu Deus, e não seguirem cuidadosamente todos os seus mandamentos e decretos que hoje lhes dou, todas estas maldições cairão sobre vocês e os atingirão: Vocês serão amaldiçoados na cidade e serão amaldiçoados no campo. A sua cesta e a sua amassadeira serão amaldiçoadas. Os filhos do seu ventre serão amaldiçoados, como também as colheitas da sua terra, e os bezerros e os cordeiros dos seus rebanhos. Vocês serão amaldiçoados em tudo o que fizerem. (Dt. 28.15-19 – NVI).”
Dentro da perspectiva deuteronomista, fica evidente que o mal, ou o sofrimento está condicionado à obediência as leis de Deus. Dentro desta concepção, qualquer problema, mal ou sofrimento que o povo ou alguém vir a passar, só se pode chegar a uma resposta. Alguém no meio do povo, ou alguma pessoa no ceio familiar está desobedecendo à Lei de Deus.
O sofrimento então não é sem culpa, a dor não tem sua causa em Deus ou em espíritos malignos, mas a causa está unicamente na não observância da Lei.
Nos livros sapienciais, a ideia do sofrimento a partir do “princípio da retribuição,” (SAYÃO, 2012, p.42) especialmente em Jó é questionável, afinal, o livro trata do sofrimento de um justo que fora temente a Deus, (SAYÃO, 2012, p.42) sendo assim, nada havia em Jó, a partir da retribuição, que o condicionaria a sofrer.
O livro dos Salmos outro dentro da categoria de livros sapienciais oferece diversas razões para compreensão do sofrimento. Conforme bem colocado por Joaquim de Jesus Marques,
“Nas tradições mais antigas, o pecado e a infidelidade são as causas únicas de qualquer situação de sofrimento. A teoria da retribuição direta é a explicação última para o sofrimento, por mais que o sofredor proclame inocência. Outras razões, porém, são referidas como explicação para a existência do sofrimento: a fragilidade humana, a precariedade da vida, a brevidade da existência, as contingências do dia- a-dia, a maldade dos inimigos, são temas assumidos pelos salmistas para explicar diversas situações de sofrimento.” (MARQUES, 2012, p.22)
As observações feitas sobre o problema do sofrimento a partir da leitura dos livros sapienciais acabam de alguma forma abrindo o leque para várias questões importantes da vida, e mostra a complexidade do assunto inclusive dentro da ambientação veterotestamentária.
Dentro do ambiente do Antigo Testamento, o sofrimento tomado por suas diversas formas, seja ele, a partir da explicação do pecado, da retribuição, ou das incapacidades humanas, seja por sua fraqueza, ou pela sua incapacidade de fazer o bem, mostra de alguma maneira a teologia central da Bíblia.
Até o momento o que se pode observar na tentativa de se entender o sofrimento, é que o homem é falível e dependente de Deus. Muito embora não se compreenda todas as questões envolvendo o sofrimento humano, o que se observa nos textos bíblicos do antigo testamento é que a incapacidade humana de compreender o problema, não impede de durante ou depois do processo se aprender lições importantes para a vida, conforme pode ser observado em vários textos bíblicos, dos quais serão abordados alguns desses, como amostra de lições importantes frente ao sofrimento.
Capítulo 02 – O Sofrimento como professor da vida.
Dando continuidade a discussão do sofrimento e procurando as lições bíblicas por trás dos problemas que afligem a vida humana, tomar-se-á emprestada a imagem descrita no livro de Jeremias no capítulo 18, vejamos:
“Esta é a palavra que veio a Jeremias da parte do Senhor: "Vá à casa do oleiro, e ali você ouvirá a minha mensagem". Então fui à casa do oleiro, e o vi trabalhando com a roda. Mas o vaso de barro que ele estava formando se estragou-se em suas mãos; e ele o refez, moldando outro vaso de acordo com a sua vontade. Então o Senhor dirigiu-me a palavra: "Ó comunidade de Israel, será que não posso eu agir com vocês como fez o oleiro? ", pergunta o Senhor. "Como barro nas mãos do oleiro, assim são vocês nas minhas mãos, ó comunidade de Israel. Se em algum momento eu decretar que uma nação ou um reino seja arrancado, despedaçado e arruinado, e se essa nação que eu adverti converter-se da sua perversidade, então eu me arrependerei e não trarei sobre ela a desgraça que eu tinha planejado.” (Jr 18.1-8 NVI)
A imagem descrita acima mostra Deus dando uma ordem ao profeta Jeremias para que o mesmo fosse até uma olaria. Chegando lá, o profeta observa um oleiro trabalhando e o vaso se desfazendo em suas mãos, o que leva o oleiro a remodelar o seu vaso.
Esta cena, seguida pela conversa de Deus com o profeta, proporciona uma compreensão quanto ao sofrimento, afinal, como o barro na mão do oleiro assim era o povo de Judá, que, havia se corrompido e se tornado um vaso imprestável fadado ao fracasso. Eugene Merrill dirá que a lição aqui é clara, pois:
“o Senhor criou Israel para um instrumento de mediação entre ele mesmo e as nações, mas Israel provou ser intratável, obstinada, rebelde e, portanto, sem uso. Ela deve ser esmagada para que possa ser reformada e modelada em um instrumento adequado às intenções do Criador.” (MERRILL, 2009, p.504)
A sentença é clara. Israel havia se distanciado de Deus, e não somente isto. Eles deram as costas ao seu Senhor, se voltando para outros deuses, queimaram incensos, e como causa dessa rebeldia, a lição precisava ser dada.
Contudo, conforme já abordado, na compreensão profética de Jeremias, o mal, a ruina, a desgraça não assolaria o povo se houvesse arrependimento, conversão.
A sequência do texto deixará claro que não havendo arrependimento o mal sobreviria, como forma de correção e de redirecionamento. Ou seja, os sofrimentos nestas ocasiões tinham um fim, o de levar o povo à obediência, e retorno a fé em Deus, afinal a mensagem do profeta Jeremias “é carregada de acusações por desobediência à aliança e anuncia que o julgamento já começa a cair sobre a nação.” (MERRILL, 2009, p.501)
Esse primeiro aspecto do sofrimento como meio de levar o povo ao arrependimento é muito claro e permeia vários testos bíblicos do Antigo Testamento. Logo, pode-se observar que “o sofrimento é visto também como um meio para levar o homem à conversão, para o fazer compenetrar-se mais da sua situação de criatura, finita, precária, que só em Deus pode encontrar refúgio e proteção.” (MARQUES, 2012, p.37)
A ideia bíblica de ver o sofrimento como meio de aprender a reconhecer o erro, é até compreensível. Contudo, existem na Bíblia Sagrada algumas situações que são claras e evidentes, que não se trata de um meio de se fazer reconhecer um erro. Vemos em vários textos pessoas ‘inocentes’, ‘justas’, sofrendo. Diante dessa situação, o que se pode aprender com o sofrimento de um ‘justo’?
O livro de Jó é o livro que trata deste assunto. Jó fora considerado por Deus como “irrepreensível, íntegro, homem que teme a Deus e evita o mal" (BÍBLIA, 2009, p.540), entretanto, foi acometido por situações que lhe trouxeram sofrimento. Jó perdeu seus bois, suas ovelhas, seus camelos, seus empregados, e por fim seus filhos. (BÍBLIA, 2009, p.540)
A perca de bens, empregados e filhos, fora ocasionado por “um ser sobrenatural que, embora sob a autoridade última de Deus, teve liberdade para exercer sua influência perniciosa sobre a raça humana” (MERRILL, 2009, p.210). A ação de Satanás na vida de Jó tem como pano de fundo a ideia de “reivindicação de domínio sobre o território percorrido” (MERRILL, 2009, p.210), logo, Satanás como afronta à Deus pretendia demonstrar seu domínio total sobre a terra, ao cabo que Deus, ao apontar para Jó como servo temente a Ele, deixa claro que mesmo tendo permitido que Satanás tivesse o controle, seu controle era limitado a ponto de não o ter sobre Jó (MERRILL, 2009, p.210). Segundo Manoel de Souza Lima Neto:
“A permissão para o sofrimento de Jó veio da parte de Deus. Contudo, o agente implementador do seu sofrimento veio de Satanás. Satanás opera por meio de elementos naturais. A prova disso é que quando recebeu autorização para afligir Jó Satanás usou elementos da natureza e pessoas para tentar destruir àquele que Deus mesmo elogiou.” (NETO, 2010, p.5)
O que se pretende compreender aqui é que o outro aspecto da causa do sofrimento humano é também condicionado a ação de forças malignas, que agem para trazer sofrimentos diversos ao homem. E para ocasionar o sofrimento Satanás utiliza-se de vários meios, sejam naturais, morais e até mesmo espirituais.
O sofrimento sejam eles ocasionados por “nossa própria culpa, por calamidades naturais, por forças demoníacas ou por desejos maus,” (NETO, 2010, p.5) tem como centralidade nas escrituras, o problema da queda, pois o ato de rebelião de Adão condicionou a todos os homens após ele, a viver um estado de depravação total, refletindo assim em todas as esferas de sua vida.
Diante da dor, o ser humano é levado a pensar que Deus está lhe virando as costas, que não se importa com o seu sofrimento, ou até mesmo que Deus não existe. Essas ideias são reflexos de uma alma perturbada e ocasionados por um sentimento de impotência diante daquilo lhe causa sofrimento.
O sofrimento causa nos seres humanos sensações tão extremas, que podem levar até mesmo homens como C.S Lewis que mesmo tendo vivenciado tantas emoções e momentos com Deus, a questionar se realmente Deus se importa, veja o que ele diz em seu livro “Anatomia de uma dor: um luto em observação”.
“Quando você está feliz, muito feliz, não faz nenhuma ideia de vir a necessitar dEle, tão feliz, que se vê tentado a sentir suas reivindicações como uma interrupção; caso se lembre e volte a Ele com gratidão e louvor, você será – ou assim parece – recebido de braços abertos. Mas, volte-se para Ele, quando estiver em grande necessidade, quando outra forma de amparo for inútil, o que você encontrará? Uma porta fechada em sua cara, ao som do ferrolho sendo passado duas vezes do lado de dentro. Depois disso, silêncio.” (LEWIS, 2007, p.33)
O sentimento descrito por Lewis é intrigante, porém, traz a realidade da vida. Vez por outra, questionamentos como estes levam ao aflito a conclusões no mínimo estranhas como se Deus não estivesse no controle da situação. A sensação de que Deus pode estar ou ficar inerte ao sofrimento é até mesmo compartilhado pelo salmista Asafe quando diz, “Ó Deus, não estejas em silêncio! Não cerres os ouvidos, nem fiques impassível, ó Deus.” (BIBLIA, 2014, p.611)
Deus não está e não fica inerte ao sofrimento humano, este ensino é evidenciado em toda a Escritura Sagrada. Mesmo diante das mais adversas situações, Deus sempre está no controle e ensina algo de importante para o seu povo, Manoel de Souza é feliz em sua colocação quando diz que:
“Deus se envolve com tudo aquilo que ele criou até nos últimos detalhes. Se Deus cuida até dos passarinhos, alimentando-os e sustentando-os durante toda a vida deles, se Deus sabe até o número de cabelos que temos na cabeça, então é certo que o envolvimento de Deus com sua criação é total desde as menores até as maiores coisas.” (NETO, 2010, p.39)
A difícil tarefa de mesmo diante da dor compreender e confiar que Deus se envolve com nossa dor é uma das lições que se faz necessário aprender. Deus está no controle, afinal, “o mundo não está nas mãos de uma força pessoal. O mundo está nas mãos de um Deus que Trabalha” (NETO, 2010, p.38). E seu trabalho vai além de somente nos fazer viver situações agradáveis, algumas vezes Deus será para nós como um “cirurgião cujas intenções são inteiramente boas” (LEWIS, 2007, p.65), pois o que se espera é que no final do processo, o estado do paciente seja melhor do que quando do início.
Conclusão
Elevo os olhos para os montes: de onde me virá o socorro? O meu socorro vem do Senhor que fez o céu e a terra. (BIBLIA, 2014, p.635)
Ficou evidente, no que foi exposto até o momento, que a questão do problema do sofrimento no Antigo Testamento, foi, é e continuará sendo uma questão complexa, contudo, tema de importância para o entendimento de questões relevantes para a fé cristã.
Embora a intenção do presente artigo tenha sido clara, vale ressaltar ainda, que o presente trabalho não tem a intenção de ser a opinião final quanto a questão do problema do sofrimento e seu desenvolvimento no Antigo Testamento.
Partindo do princípio de tudo, se pôde observar que a compreensão do sofrimento no mundo passa inevitavelmente, na descrição da queda do homem e suas consequências posteriores.
A partir da quebra de relação do homem para com Deus, a sentença já deixava claro que o sofrimento faria parte indissociável da vida como um todo.
“Então o Senhor Deus disse à serpente: Porquanto fizeste isto, maldita serás mais que toda a fera, e mais que todos os animais do campo; sobre o teu ventre andarás, e pó comerás todos os dias da tua vida. E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar. E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceição; com dor darás à luz filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará. E a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo:
Não comerás dela, maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida. Espinhos, e cardos também, te produzirá; e comerás a erva do campo. No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás.” (BIBLIA, 2014, p.5)
A queda afeta a relação de convivência como um todo. “A mulher teria de sofrer as dores do parto e seu relacionamento com o marido, a partir dessa época, seria diferente para sempre” (MERRILL, 2009, p.206). O homem, além do sofrimento em arar a terra, comer de seu suor, estava condenado a retornar ao pó, “ele que deveria
ter domínio sobre a terra, agora, seria prisioneiro dela, entregue às profundezas dela e a um destino desconhecido” (MERRILL, 2009, p.208).
Não obstante a natureza também sofre devido à queda. “O solo, em vez de brotar produzindo fruto, resistiria a todo o esforço humano para cultivá-lo” (MERRILL, 2009, p.207). Os animais por sua vez sofreria o destino da maldição lançada sobre a serpente (MERRILL, 2009, p.208).
As consequências da queda resultam no que conhecemos hoje como sofrimento. Sejam eles causados pela nossa própria culpa, calamidades naturais, ações demoníacas, e desejos maus. O que se compreende observando o Antigo Testamento é que o homem por não ter usado sua liberdade da maneira correta, trouxe sobre ele e toda a natureza e as penalidades da rebeldia.
Contudo, pode-se aprender com as situações adversas, e compreender que mesmo nas maiores dificuldades Deus não está inerte a situação, e em meio a tanta situação adversa Deus trabalha, trazendo sentido para o sofrimento, ainda que não se compreenda em primeiro momento.
A única certeza é que os que hoje sofrem, e não encontram respostas para sua dor, a Bíblia mostra que o sofrimento vivido hoje, não se comparará ao que a humanidade viverá quando Cristo vir e reinar eternamente.
“E mostrou-me o rio puro de água da vida, claro como cristal, que procedia do trono de Deus e do Cordeiro. No meio da sua praça e de uma e da outra banda do rio, estava a árvore da vida, que produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês, e as folhas da árvore são para a saúde das nações. E ali NUNCA mais haverá maldição contra alguém; e nela estará o trono de Deus e do Cordeiro, e os seus servos o servirão”. (BIBLIA, 2014, p.1226)
Referências Bibliográficas
Bíblia Sagrada - https://www.bibliaonline.com.br/nvi
Bíblia Sagrada – Harpa Cristã. Barueri, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2014. p.1408
LEWIS, C.S. A anatomia de uma dor: um luto em observação; traduzido por Alípio Franca Correia Neto. São Paulo: Editora Vida, 2007.
LEWIS, C.S. O Problema do Sofrimento; traduzido por Alípio Franca Correia Neto.
São Paulo: Editora Vida, 2009.
MAIA, Carlos K. Depravação Total. São Paulo: Editora Reflexão, 2015. MARQUES, Joaquim de Jesus. Traços relevantes do vocabulário do sofrimento no
Livro dos Salmos: contribuição para a compreensão do sofrimento humano. 2012. 48 f.
Dissertação (Mestrado em Estudos da Religião) – Universidade Católica Portuguesa – Faculdade de Teologia, Lisboa, 2012. [Orientador: Profª. Drª. Luisa Maria Varela Almendra]
NETO, Manoel de Souza Lima. O mal e o sofrimento à luz da providência de Deus: Enxergando benefícios da dor. 82 f. Dissertação (Mestrado) – Escola Superior de Teologia, São Leopoldo, 2010. [Orientador: Prof. Dr. Uwe Wegner].
MERRILL, Eugene H. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Shedd Publicações, 2009.
SAYÃO, Luiz. O problema do mal no Antigo Testamento: o caso de Habacuque.
São Paulo: Hagnos, 2012.
WALLS, Jerry L e DON’GELL, Joseph R. Por que não sou calvinista. São Paulo: Editora Reflexão, 2014.
O professor Otoniel foi sensível e brilhante ao tema sobre o sofrimento, lembro do livro do pastor Ricardo Barbosa de Souza - O caminho do coração ensaios sobre a trindade e espiritualidade cristã na experiência de Jó , e o livro de Philip Yancey porque o justo sofre que falam drama humano, no aspecto teológico e psicológico muito bom seu artigo parabéns Deus abençoe, que esse blogger e canal seja benção .
ResponderExcluirMuito bom , em meus artigos sobre história da igreja falo sobre Martinho Lutero, uma história de vida muito rica , parabéns pelo artigo
ResponderExcluir