DAVI ERA FILHO BASTARDO DE JESSÉ?
DAVI ERA FILHO BASTARDO DE JESSÉ?
Exegese acadêmica do Salmo 51.5
Por: Rev. Deivinson Bignon, ThM1
INTRODUÇÃO
“Eu nasci em iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe”
(Salmo 51.5, NAA).
Tenho acompanhado com interesse a mais nova série veiculada pela Amazon em 2025, intitulada “Casa de David” (“House of David”). Nela, a premissa principal é que Davi foi filho bastardo de Jessé e que, por isso, foi alvo dos preconceitos típicos desta situação pelo clã de Judá e sua própria família. Uma série bem feita e interessante. Contudo, qual a base bíblica para essa premissa? Davi era mesmo o filho bastardo de Jessé?
A fim de investigar exegeticamente esta questão, analisei o Salmo 51.5, texto que geralmente acende essa polêmica e as discussões em torno dela.
O Salmo 51, tradicionalmente atribuído a Davi, é um dos salmos penitenciais mais emblemáticos do Antigo Testamento, associado ao arrependimento de Davi após seu pecado com Bate-Seba (2Sm 11-12). O versículo 5, “Eu nasci em iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (NAA), destaca-se por sua confissão de pecado inato, levantando questões sobre sua interpretação na tradição judaica.
Esta exegese tem como objetivo uma pesquisa acadêmica para responder: “Segundo a tradição judaica, Davi era filho bastardo? Quais os argumentos exegéticos?”.
Utilizei a Biblia Hebraica Stuttgartensia (BHS) como base textual e a Nova Almeida Atualizada (NAA) como versão padrão em português. A análise abrange linguística, contexto literário, história, arqueologia, crítica textual e teologia, buscando excelência acadêmica.
1. ANÁLISES SEMÂNTICA, MORFOLÓGICA E SINTÁTICA
NA LÍNGUA ORIGINAL
Texto hebraico transliterado (BHS):
Chen-be‘avon cholaleti uvchete’ yechemateni ’imi.
(Hen-): Partícula enfática, “eis”, marcador discursivo (HALOT, p. 243).
(be‘avon): “Iniquidade”, raiz ‘avah, preposição be + substantivo masculino singular (BDB, p. 730).
(cholaleti): “Fui gerado”, raiz chil, qal perfeito, 1ª pessoa singular (HALOT, p. 310).
(uvchete’): “E em pecado”, raiz chet’, conjunção u + preposição b + substantivo (BDB, p. 308).
(yechemateni): “Me concebeu”, raiz yacham, piel perfeito, 3ª pessoa feminino singular + sufixo -ni (HALOT, p. 405).
(’imi): “Minha mãe”, raiz ’em, substantivo feminino singular + sufixo -i (BDB, p. 51).
Sintaxe: Duas cláusulas coordenadas por ve-, expressando a totalidade do pecado desde a concepção.
2. ANÁLISE LITERÁRIA CONTEXTUAL
O Salmo 51 divide-se em: invocação (v. 1-2), confissão (v. 3-5) e petição (v. 6-19). O v. 5 é o clímax da confissão, com paralelismo sintético: “em iniquidade fui gerado” // “em pecado me concebeu minha mãe”. Estilo poético confessional, com repetição de be- e verbos no perfeito, destacando a profundidade do pecado. A intenção literária é preparar o pedido de purificação (v. 7).
3. ANÁLISES HISTÓRICA, CULTURAL E ARQUEOLÓGICA
Histórica: Contexto do reinado de Davi (c. 1000 a.C.), pós-confronto com Natã (2Sm 12). Tradição judaica (Talmude, Yevamot 76b) questiona a linhagem moabita de Rute, mas não a bastardia de Davi.
Cultural: Ilegitimidade (mamzer, Dt 23.2) era tabu; o texto reflete percepção moral, não status legal.
Arqueológica: Estela de Tel Dan (séc. IX a.C.) corrobora a “Casa de Davi”, sem menção à origem pessoal do rei.
4. ANÁLISE DE CRÍTICA TEXTUAL
Texto Massorético (TM da BHS) é consistente com o Códice de Alepo e Manuscritos do Mar Morto, MMM (4QPsᵇ).
A Septuaginta (LXX) traz: ἰδοὺ γὰρ ἐν ἀνομίαις συνελήμφθην (“Eis que em iniquidades fui concebido”), com variação sem impacto teológico.
NAA reflete fielmente o TM: “Eu nasci em iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe”.
5. ANÁLISE TEOLÓGICA
O Salmo 51.5 aponta para a universalidade do pecado, mas na tradição judaica (Midrash Tehillim 51) é hiperbólico, não genealógico. Diferente da interpretação cristã de pecado original (Rm 5.12), o judaísmo rejeita essa doutrina, vendo o texto apenas como confissão pessoal de Davi.
6. COMENTÁRIO GERAL
O Salmo 51.5 não sustenta a ideia de Davi como bastardo na tradição judaica. A análise linguística mostra uma confissão poética de pecado inato, não uma afirmação histórica. Contextualmente, o paralelismo reforça a totalidade da culpa desde a concepção, mas sem implicações genealógicas. Historicamente, a linhagem de Davi (1Cr 2.13-15) é aceita como legítima, e debates talmúdicos (ex.: Yevamot 76b) focam na ascendência de Rute, não na bastardia. A crítica textual confirma a estabilidade do texto, e teologicamente, a tradição judaica interpreta o versículo como reflexão moral, não biográfica.
Assim, não há argumentos exegéticos judaicos para Davi como bastardo; os contra argumentos baseiam-se na ausência de evidências em Samuel-Crônicas e na leitura rabínica.
CONCLUSÃO
A exegese do Salmo 51.5 revela que a tradição judaica não considera Davi um filho bastardo. O texto é uma expressão poética de pecado inato, não uma declaração de ilegitimidade. Para a pesquisa acadêmica, isso esclarece a interpretação judaica e refuta especulações genealógicas.
BIBLIOGRAFIA
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KOEHLER, L.; BAUMGARTNER, W. The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament. Leiden: Brill, 1994-2000.
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1 O Rev. Deivinson Bignon, ThM é pastor congregacional, mestre em ciências da religião, teólogo, professor de hebraico bíblico e exegese do Antigo Testamento, escritor, licenciado em Letras e literaturas, integrou a equipe de revisores da Bíblia de Estudo Mathew Henry (SBB) e é publisher da Editora Contextualizar, com vasta experiência em publicação para autores evangélicos iniciantes. Página do autor: <https://abrir.link/UQ9pi>.
Oi irmão excelente artigo e conteúdo , parabéns
ResponderExcluirOi a paz ficou muito bom parabéns pelo artigo, já publiquei artigos e os do blogger estão ótimos
ResponderExcluirShalom! Obrigado, querido! Paz e bênçãos sobre a sua preciosa vida...
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