MARTINHO LUTERO, VIDA E OBRA DE UM REFORMADOR DA FÉ.

 MARTINHO LUTERO, VIDA E OBRA DE UM REFORMADOR DA FÉ

                           PROF. JOSÉ EDMÍLSON JR.










1. MARTINHO LUTERO


    Lutero, tendo nascido em 1483, numa humilde família composta por um Mineiro, chamado João Lutero, homem franco, reto e dedicado ao trabalho duro e mesmo assim, grande admirador da cultura, tanto que empregava parte de seus bens em adquirir livros o que lhe dava uma cultura um pouco mais esmerada que a maioria dos homens de sua época; e sua mãe, chamada Margarida, mulher recatada, honesta e piedosa, uma excelente dona de casa; quando essa família encontrava-se estabelecida em Eisleben, em 10 de Novembro, provavelmente as 23:00 da noite; veio ao mundo este homem que recebeu o nome de: Martinho, em   homenagem ao santo celebrado na época e Lutero em honra a seu pai.

  Pouco tempo depois, provavelmente quando tinha ainda seis meses, sua família transfere-se para Mansfeld, quando graças ao trabalho intenso de sua pai, sua família alcança uma boa condição social e Martinho pode então estudar Latim, a língua da cultura de época, em Magdeburgo e prosseguir seus estudos na escola St George em Eisenach, momento em que passou por dificuldades financeiras pois por mais que seu pai houvesse alcançado uma boa situação para a família em Mansfeld, sua renda não era suficiente para o sustento desta família e mais um filho estudando em outra cidade, e infelizmente não pode contar com o apoio dos parentes que ali moravam, provavelmente por também serem de pobre condição; muitas vezes reunia-se a outros meninos da escola para cantar às portas das casas e esperar por alguma oferta de alimentos, o que nem sempre era obtido; mas sua situação melhora quando é ajudado pela esposa de Conrado Cota, chamada Úrsula, filha do Burgomestre de Isfeld, que admira-se com o jovem e decide apoiar seus estudos, com o consentimento de seu marido.


1.1 Da Universidade de Erfurt para a Universidade de Wittemberg.


  Passada essa época, Lutero, já em 1501, ingressa na Universidade de Erfurt, onde alcançara um alto nível acadêmico, tendo muita capacidade, empenho e uma extraordinária inteligência, chegando à Bacharel em Artes e Mestre também nessa área; e atendendo ao pedido de seu pai, inicia estudos em Direito; curso esse que será abruptamente interrompido, devido a um incidente ocorrido em 2 de julho de 1505, quando já atormentado por sentimentos terríveis que o fazem temer por sua salvação; sempre arrastando uma pesada culpa que o fazia olhar para Deus como se fora um carrasco sempre pronto a inflingir-lhe severa punição por seus pecados; decide ele aproveitar as férias para ir a sua cidade natal, ver os lugares de sua infância, abraçar a sua família e tentar convencer seu pai a concordar em que lhe apoie na ideia de dar a sua vida uma continuidade voltada para a vida monástica como meio de alcançar salvação para sua alma por meio de algum tipo de mérito.

  Não se sabe muito bem como se passa a visita, mas o mais provável é que tenha sido demovido da ideia de tentar dialogar com seu pai, uma vez que vê toda a ansiedade em que espera que o filho lhe premie com o orgulho de ter depois de tanto esforço, conseguido enfim que um de seus filhos tenha uma ótima colocação social como Advogado; todavia, tudo isso naufragará quando de retorno para Erfurt, o jovem Lutero é apanhado por uma forte tempestade no caminho e no meio da floresta, com os raios preste a lhe atingir, em total desespero e numa atitude impulsiva, promete que entregara sua vida ao serviço da igreja se sair salvo daquele perigo e quando enfim se vê livre do risco de morte, não entende que esteja livre de um tão sério compromisso assumido e mesmo decepcionando seu pai e seus colegas de estudo, que nele nutriam grande admiração e esperança, Lutero se decide por tornar-se monge.

  Em 17 de Julho de 1505, para desespero de seu pai e espanto de todos, o promissor advogado, abandona tudo e ingressa em um claustro na ordem dos agostinianos em Erfurt, mas a poderosa mão de Deus não permitirá que seus dias sejam todos gastos em meditações e rezas, e assim vemos esse homem primeiro ser ordenado padre em 3 de Abril de 1507, celebrar sua primeira missa em 2 de Maio do mesmo ano e já no inverno de 1508, encontrar-se ocupado com a ministração de preleções em Filosofia agora em Wittenberg, uma nova universidade da região e em cuja catedral se desencadeará o estopim para o movimento que marcará para sempre a Cristandade; quando um homem, sedento da verdade das escrituras, desferirá um golpe que porá abaixo os muros já em ruina que sustentavam uma aparente construção, que ostentava ainda uma aparência magnifica mas que a séculos estava já corrompida pela concupcencia humana e que nada mais representava senão uma mera aparência, uma mentira, um monumento à gloria humana dos eclesiásticos, teólogos e reis.


1.2 Scala Sancta


  Depois de todo esse tempo em que Lutero cresce e alcança uma grande formação Teológica e filosófica, tendo estudado avidamente as obras de Ockham, Scott e Tomas Aquino e engajar-se profundamente no ensino na Universidade de Witemberg, fundada por Frederico em 1502 e no serviço eclesiástico na catedral da cidade, dedicando-se a pregação e desenvolvendo um profundo estudo das escrituras, especialmente das cartas de Paulo a Romanos e aos Gálatas, bem como a carta aos Hebreus, tempo em que já começa a perceber as divergências entre as práticas da igreja e as realidades bíblicas; mas ainda outras coisas o surpreenderão, pois este antigo monge agostiniano, agora com o status de responsável por sete conventos de sua ordem, será incumbido de uma missão que marcará para sempre e de forma negativa a sua vida espiritual, mas servirá para despi-lo de um manto de ingenuidade que revestia sua fé e que até o momento o impedia de perceber os graves problemas contra os quais logo estará envolvido em duro combate, chega o tempo em que Lutero é enviado a Roma como representante de sua ordem:


Lutero ensinava tanto na sala acadêmica quanto no templo, quando foi interrompido em seus trabalhos; em 1510 e segundo alguns em 1511 ou 1512, o enviaram a Roma. Sete conventos de sua ordem estavam, sobre certos pontos, em divergência com o vigário geral. A vivacidade de espirito de Lutero, a autoridade de sua palavra e seu talento para a discursão, fizeram com que fosse escolhido para representar os sete conventos junto ao papa. Esta direção Divina era necessária a Lutero. Convinha que ele conhecesse Roma. Cheio dos preconceitos e das ilusões do convento, ela lhe estava representada sempre como a sede da santidade e ele esperava achar nesses “lugares sagrados” a consolação e paz de que sentia de novo mais necessidade.


J. H. Merle D’Aubigné; Historia da Reforma do Decimo Sexto Século; volume I; pg 125; Casa Editora Presbiteriana, 1951.


  Semelhantemente a Lutero, que foi um instrumento por meio do qual Deus empreendeu uma Reforma que veio remover as densas cortinas que ocultavam o único caminho para Deus, chamado Cristo, o qual nos é revelado pelas páginas das sagradas escrituras; também nós, antes de conhecedores da verdade que liberta, fomos escravos do engano, e como tais, também nos submetemos as práticas que só agora reputamos por ridículas e completamente desprovidas de eficácia em relação a busca do que nos é mais essencial, a paz e a comunhão com Deus.


Rezou em muitas igrejas e lugares sagrados de santos e de mártires. Viu muitas relíquias e ouviu muitas histórias de seus poderes milagreiros. Para livrar seu pai do purgatório, subiu de joelhos a Scala Sancta, a escadaria que se diz ter sido trazida da casa de Pilatos; repetindo em cada degrau o pai nosso. Ao chegar ao topo surgiu- lhe uma pergunta: “quem sabe se tudo isso é verdade? ” Mas isso logo passou, apesar de escandalizado com muita coisa que viu em Roma. Não obstante, sua fé na igreja não sofreu arrefecimento. Voltou ao mosteiro e ao seu ensino. Em 1512 tornou-se doutor em teologia em Witemberg. Depois ele próprio confessou, que a esse tempo era ainda ignorante do Evangelho.


Robert Hastings Nichols; História da Igreja Cristã; pg 146; Casa Editora Presbiteriana; 1960.


1.3   “Mas o justo viverá da fé”


  Ainda não é o momento em que o doutor de Witemberg se tornará o combatente reformador, mas sem dúvida tais visões começaram a despertar sua curiosidade e a desconstruir uma imagem ilusória em relação a um suposto reino de santidade que acreditava ser a Roma papal; mas ainda permanecerá Lutero em suas funções e seus intensos trabalhos junto a universidade e ao púlpito da igreja, onde uma sedenta multidão bebe e se farta das aguas purificadoras da palavra de Deus sempre explicada pelo padre e doutor, que entre 1513 e 1516 vê-se completamente engajado em preleções acerca dos Salmos, bem como sobre as cartas aos Romanos e aos Gálatas; e é nesse intenso labor, quando algo surpreendente acontece a ele.


  Esse dedicado servo, na solidão de seu claustro, mergulhado no estudo da epistola de Paulo aos Romanos, semelhantemente a experiência que este apostolo teve à caminho de Damasco, que o tomou de surpresa e o atirou ao chão perante a magnitude da presença do Cordeiro de Deus; também Lutero foi apanhado de surpresa por algo que jamais encontrara em nenhum dos tratados que houvera lido até aquele momento, que jamais ouvira qualquer sábio e acadêmico pronunciar; palavras que o lançaram prostrado perante a soberania do Cristo ressurreto e justificador; perante o qual nem o mais vil pecador pode opor qualquer argumento que pareça eficaz; Lutero foi apanhado pelas poderosas palavras salvadoras escritas por Paulo, sob inspiração do Santo Espirito quando diz:

“Mas o justo viverá da fé”

  Romanos 1.17 virou a vida e as convicções de Lutero de cabeça para baixo e abalou completamente sua fé anteriormente baseada nas obras meritórias apregoadas por Roma. É impossível negar a verdade ante a qual agora se encontra; nossa salvação não tem nada a ver com as obras meritórias, sacrifícios de missas, indulgências e pretensa aquisição dos méritos excedentes dos santos por meio de dinheiro, não!; estava tudo errado, e isso era já tão claro para ele; mas como fazer com que outras pessoas tenham a oportunidade de confrontarem-se também com a mesma verdade perante a qual está!; assim nasce primeiramente um conflito interno, que logo transbordará de dentro de seu coração inflamado pela chama do Espirito e do amor a verdade que liberta e também alastrará suas chamas por outras vidas, difundindo-se por outros lugares e levando outros tantos a também terem a maravilhosa certeza de salvação unicamente no Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.


2. A indulgência Papal e o Joham Tetzel.


  Maravilhosa graça achou Lutero nessas sagradas letras, e é ótimo que cresça e se fortaleça em Deus, pois brevemente esta fé recém desperta será posta à duras provas; pois agora está este homem arrolado a lista dos que tiveram um encontro verdadeiro com o Cordeiro de Deus, que de forma semelhante quanto a Paulo, tem se manifestado e alterado para sempre a trajetória de homens que lhe serão instrumentos formidáveis; Wycliffe, Hus e agora Lutero estão perante essa verdade incontestável; Cristo é o único Salvador e o único caminho para Deus, e isso agora não mais poderá ser um saber particular, e principalmente quando diante de seus olhos, almas humanas e seu eterno destino estão sendo objeto de sórdido joguete comercial; pois enquanto Lutero prosseguia com suas importantes atividades e se fortalecia no conhecimento da verdade em Cristo, algo passou a tumultuar o tranquilo ambiente a sua volta; a Roma que já lhe causara escândalo pela leviana maneira com que tratava as coisas que esses cristãos reputavam por santas, agora chega ás suas portas, com o mais improvável dos produtos de venda; Roma está vendendo salvação! – Perdão de pecados em troca de dinheiro por meio da aquisição das indulgencias, o papa resolveu comerciar com o reino do céu para enriquecer seu reino no Vaticano.

  Um personagem fundamental para a pratica desse imundo comercio é um audacioso frade de nome Tetzel:


Revestido de um habito dos dominicanos, se apresentava com arrogância. Sua voz era retumbante, e parecia ainda vigoroso, posto que tivesse já os seus 63 anos. Este homem, filho de um ourives de Leipzig por nome Diez, chamava-se João Diezel ou Tetzel. Havia estudado em sua cidade natal, foi feito bacharel em 1487, e entrou dois anos depois na ordem dos dominicanos. Reunia em si muitos títulos: Bacharel em Teologia; Prior dos Dominicanos; Comissário apostólico; Inquisidor (hoereticoe pravitais inquisitor) e, contudo, não havia cessado, desde o ano de 1502, de exercer o título de vendedor de indulgencias.


J. H. Merle D’Aubigné; História da Reforma do Decimo Sexto Século; volume I; pg 161; Casa Editora Presbiteriana, 1951.


2.1 Alberto de Brandenburgo.


  Mas era ele na verdade uma ferramenta nas mãos gananciosas daqueles que de fato operavam todo o sistema em seu proveito e que envolviam personagens de maior poder e influência, como era o caso do Arcebispo Alberto de Brandenburgo (1490 – 1545) que já detinha duas províncias em seu poder, mas lançara seus olhos sobre a rica província de Mainz e queria controlar e lucrar também com essa, mas essa possibilidade encontrava-se ainda vedada a ele, a não ser que conseguisse mudar a opinião do papa em relação a isso, por meio de um argumento irrefutável; uma grande contribuição ao palácio de “Pedro e Paulo” no Vaticano; mas para isso, precisou recorrer ao empréstimo de grande soma junto aos poderosos banqueiros Alemães, os Fuggers; e como garantia para assegurar esse empréstimo, chegou-se a uma engenhosa solução; o papa concedeu o direito a que o Arcebispo comercia-se os “papéis salvificos” a ponto de se cobrir a soma da contribuição ao vaticano e ao pagamento do empréstimo e com isso, assegurar-se-ia ao Arcebispo a posse ao que atendia a sua ganancia, e tudo às custas da mentira e espoliação do povo, que estava sendo instrumentalizada por essa eficaz e soberba ferramenta a serviço do clero, João Tetzel.


A fim de levantar recursos para a construção da Basilica de São Pedro em Roma, o papa Leão X, determinou a venda de indulgencias. Para recolher esse dinheiro na Alemanha, foi designado João Tetzel. Lutero, já descontente com a imoralidade e o desrespeito do clero pelas coisas sagradas, como vimos anteriormente, reagiu a pregação de Tetzel com suas 95 teses, afixando-as na igreja de Wittenberg. Através das indulgencias, a igreja oferecia salvação por meio das obras e não da fé, contrariando textos bíblicos de Habacuque 2.4; Romanos 1.17; Galatas 3.11 e Hebreus10.38; era o dia: 31 de Outubro de 1517. A atitude de Lutero desencadeou uma reação em escala favorável tanto dentro quanto fora da igreja, pois, desde os tempos de Wycliffe e Huss, a nobreza, as populações Europeias e parte do clero, estavam descontentes com os desmandos existentes na igreja.


Paulo Ferreira; A Reforma em quatro tempos; Ed CPAD; pgs 30– 31; 2017.


2.2 As 95 Teses de Martinho Lutero


  Porque reagir? Sem dúvida é o que muitos pensariam se estivessem perante o quadro que se apresentava diante de Lutero; afinal, quantos benefícios o padre de Wittenberg obtinha de sua função, era professor, eclesiástico e respeitado por muitos e isso em função da posição que ocupava dentro desta importante instituição, e perante este problema grave das indulgencias, qual o peso que tais privilégios exerceriam sobre a decisão certa a tomar? Deveria ele voltar-se contra essa extorsão mesmo com grave risco de sua posição?

  

  Só podemos chegar a entender pelo menos superficialmente a importância das decisões tomadas por importantes personagens da história que sofreram grave alteração de sua vida e consequentemente vieram a causar grandes mudanças históricas, quando pelo menos nos esforçamos em tentar manifestar empatia e colocar-se em seu lugar; pense em você nesta situação? 

  

  E na verdade não é tão difícil, pois também nós temos que nos posicional em antagonismo em relação a certas situações da igreja atual, quando infelizmente distancia-se do proposito da Sagrada escritura e aventura-se por caminhos heterodoxos; mas sem dúvida, temos a vantagem em relação à Lutero, de mesmo encontrando hostilidade e rejeição, não ter o agravante do risco de vida ao qual esteve exposto por manter a sua posição em contrário à vontade do sumo-pontífice; e é por isso que torna-se ainda mais interessante refletirmos acerca da motivação que o impulsionou a pôr em risco todas as suas vantagens mas persistir na decisão de denunciar os erros e de forma ousada, propor o debate em torno das 95 teses que afixou à porta da igreja de Wittenberg, o mais bem sucedido mecanismo de denuncia das mentiras da igreja e o verdadeiro estopim da explosiva reforma que implodiu o edifício já em ruinas da velha catedral de mentiras do vigário Romano.

  

  Aqui enfim chegamos ao cume de nossa jornada, ao momento em que um homem, movido pela verdade da Sagrada Escritura, teve a audácia de enfrentar o sistema, não fiado em seu intelectualismo, mas sim impulsionado pelo desejo arrebatador de ver reluzir a verdade do evangelho e dissipar as trevas intensas das manipulações gananciosas dos homens da falsa religião, verdadeiramente comerciantes da “fé”; todo nosso proposito convergia para o momento em que este homem se importou, viu-se profundamente incomodado e com santo zelo, não teve por digno o conformismo ante o erro e a mentira, não admitiu que lhe fosse concedido o direito de isentar-se, e mesmo ante todo o risco e perda de vantagens, entendeu que deveria manifestar-se em prol da verdade de Deus, ser o veículo por meio do qual o seu Santo Espirito expressaria a verdade do evangelho em combate a todo o engano e manipulação.


  Eis o espirito da Reforma, sem o qual em qualquer momento a igreja deixa de ser a proclamadora da verdade de Deus, para passar a conformar-se até com a mais absurda mentira desde que seja cômoda e agradável aos líderes; deixar de obedecer a Deus para agradar a vontade de homens, atitude esta que fora rejeitada pelo apostolo Pedro quando perante o sinédrio sabia que sua vida estava em risco, mas julgou ser a obediência a Deus mais importante até mesmo que o seu bem estar; ou que que dizer de Paulo, que mesmo diante de toda autoridade que representada pela pessoa do apóstolo Pedro, não hesitou em “resistir-lhe na face” quando viu nele uma atitude que julgou incoerente com o evangelho de Cristo, quando o apostolo tentava conciliar os grupos conflitantes dos fariseus e dos gentios, levando Pedro a agir de modo ambíguo, o que Paulo, mesmo com todo o respeito que tinha e que continuou a ter, não pode deixar de manifestar sua discordância perante essa atitude, não por mera questão de gosto e sim por entender que a verdade do evangelho se sobrepõe a todos nós e é na verdade o juiz de nossas vidas, não a minha ou a sua verdade, mas unicamente a verdade que é Cristo, o que diferencia-se disso é digno de ser rejeitado  independentemente de onde venha.


Como igreja reformada e que supostamente segue o mesmo espirito que os reformadores apresentam em sua época, temos por ventura sido uma geração de cristãos inconformados com as noticiais que circulam diariamente pela mídia? Diante disso, então, se faz necessário outra pergunta, caso entendamos que somos essa igreja inconformada e inquieta com a situação atual em que vivemos: faríamos uma reforma levantando que bandeira exatamente? Por onde começaríamos “nossa reforma? ” Entendendo que o espirito de Reforma é um espirito de contracultura, que vai de encontro ao status quo iniquo e dominante de sua época, por qual ponto exatamente começaríamos?

Aprofundando um pouco mais a nossa reflexão, constatamos que tanto Lutero como os pré- reformadores dão continuidade a essa igreja que se auto examina, que está em constante reforma. A reforma não é um movimento de ruptura e sim de continuidade da voz profética que sempre permeou a igreja e o povo de Deus. A ruptura acontece quando a voz profética não é ouvida e a desobediência é estabelecida, surgindo, por conseguinte, o perigo de o ramo ser arrancado da oliveira, a qual continua sempre viva e frondosa, dando continuidade aquilo que foi iniciado em pentecostes.

Assim, tanto a Reforma como os movimentos pré-reformadores reivindicam despertar a igreja para que voltasse à proclamação do evangelho e sua promessa frente a catastrófica e calamitosa existência humana. Em outras palavras, esses movimentos levantaram duas bandeiras principais: o retorno a simplicidade do evangelho (entenda-se como simplicidade a desburocratização da igreja, a diminuição de sua excessiva mediação nas situações da vida e o retorno a virtuosa pobreza) e o acesso as sagradas escrituras. Em suma, o endireitamento de suas veredas.


Ricardo Bitun; A Reforma Protestante, história teologia e desafios; Ed Hagnos; pgs 57-58; 2017.


  Se nos entendemos como continuadores da Reforma iniciada muito antes de Lutero, mas que encontra seu símbolo na corajosa atitude deste simples homem; precisamos constantemente nos reavaliar e ver se por acaso não estamos de fato cedendo à pressão extraordinária exercida pela comodidade e pelo desejo de aceitação e reconhecimento; somente os que põem Cristo como prioridade têm de fato condições de analisar o momento certo de concordar e trabalhar junto, pois acredita que é para gloria D’ele ou discordar e propor a reforma, pois vê a suas palavras (de Cristo) sendo distorcidas e seu Nome ser envergonhado; e de fato, não existirá uma época antes do arrebatamento em que poderemos nos tranquilizar e dispensar a necessidade dos reformadores e daqueles que batalham pela pureza do evangelho, até a gloriosa transformação da igreja e o encontro com o noivo amado, seguimos edificando e reformando a igreja de nosso Senhor.


  Lutero corajosamente perseguiu esse objetivo, mesmo diante de tantos reveses que se levantaram após a heroica atitude de defesa em relação à pureza da palavra de Deus e da natureza da verdadeira igreja de Cristo; as teses afixadas na porta da igreja no dia 31 de Outubro de 1517 e que tinham o único propósito de conclamar os acadêmicos para um debate e torno de questões importantes da fé como por exemplo:


1° Nosso Mestre e Senhor Jesus Cristo, quando disse: “fazei penitencia” quis afirmar que toda a vida do crente deve ser de arrependimento.

27° eles pregam que no momento que a moeda tine no fundo do cofre, a alma sai do purgatório.

32° aqueles que imaginam estar seguros da sua salvação pelas cartas de indulgencias, serão condenados com os que assim os ensinam.

45° deve-se ensinar aos cristãos que quem, ao invés de ajudar quem estiver necessitado, compra uma indulgencia, não compra indulgencia do papa senão indignação de Deus.

51° é preciso ensinar aos cristãos que o papa, como é de seu dever, distribuiria, se necessário, seu próprio dinheiro entre as pessoas pobres, aquém os pregadores de indulgencia tiram hoje até o último centavo, ainda que, para isso, tivesse que vender a basílica de são Pedro.

94° deve-se exortar aos cristãos que sigam diligentemente a Cristo, mesmo que através de penalidade, morte e inferno.

95° e a ter assim confiança de que hão de entrar no céu, antes através de dificuldades que através da segurança e paz.


As 95 Teses de Lutero; Ed CPAD; pg 11; 2017.


2.3 Lutero Queima a Bula Papal


  Vieram a se constituir no grande símbolo que unificava todos aqueles que já há muito tempo encontravam-se revoltados com a corrupção da igreja e que já haviam visto alguns se levantarem para questionar seus desvios e abusos; mas agora um novo fenômeno havia ocorrido ao mundo; semelhante em importância ao que havia sido a tentativa de unificação dos povos sob o governo de Alexandre o Grande e a Pax Romana, agora o mundo via uma nova revolução na difusão do conhecimento e aproximação dos povos por meio da intensificação do transito de informações proporcionada pela invenção da imprensa à meio século antes de Lutero; o que proporcionou que copias das suas teses (o que nunca foi sua intensão) fossem reproduzidas e circulassem por diversos lugares em tempo nunca imaginado nas eras dos copistas; agora, um documento afixado na porta de uma igreja em Wittenberg; tornou-se a carta de conclamação universal para erguerem-se os que temem a Deus e exigirem que sua igreja seja liberta do cativeiro no qual se encontrava, o que Lutero depois designará como cativeiro Babilônico, em alusão ao Antigo Testamento.


  O desafio está lançado, o simples monge, imbuído da coragem dos que creem estar fazendo o que é certo, conclama os acadêmicos a discutir as decisões emanadas daquele que se diz o sucessor de Pedro e substituto de Jesus Cristo entre os homens, aquele que preside uma instituição que se entende herdeira de toda a tradição Cristã e Romana e perante a qual reis se curvam; discutir suas decisões ante um monge de uma cidade obscura do interior da Alemanha? –Certamente essa proposta não lhes parecia muito boa, e a pessoa de Lutero e seus questionamentos lhe pareceram insignificantes; talvez como um relés inseto que ousa incomodar mas que pode ser facilmente esmagado pela forte mão que abarca toda a Europa e que traz em seu dedo o anel da magnificência. Mas talvez seja exatamente esse o erro recorrente de todos os poderosos, Golias não deu qualquer valor a Davi, até que lhe veio uma súbita dor de cabeça, logo seguida por um corte e um frescor da brisa da tarde, Cesar não pensaria que seu império se poria de joelhos ante um povo cujo líder nasceu um uma obscura província da Palestina e que viveu entre pobres, mendigos e doentes; mas que como uma corrente de aguas, invadiu toda a terra e mostrou-se o povo mais importante para ter como aliados, até que se tornassem mesmo os únicos herdeiros de tudo que construiu ao longo de séculos; e agora; o sumo pontífice, acometido da mesma moléstia, olha  para esses questionamentos e como em tantas outras vezes, acredita piamente que não será diferente, também este será silenciado ante sua autoridade universal.

  Depois de algumas advertências do Imperador Maximiliano da Alemanha; finalmente o papa Leão X, resolve destinar alguma atenção ao audacioso monge alemão, e em 7 de Agosto de 1518 Lutero é convocado à comparecer em Roma, o que certamente é entendido por todos como um verdadeiro convite a morte certa, o que motiva a apelação que é dirigida a Frederico III, eleitor da Saxônia; um homem que se mostrará fundamental para a Reforma ao encarar a importante missão de não deixar com que Roma faça com Lutero o mesmo que já fizera a outros valentes que também ousaram questionar suas heresias e sua prepotência, como nos casos de Wycliffe e Hus; que também moveram muitas almas em solidariedade ao apelo veemente para o retorno as escrituras, mas que foram silenciados por aqueles que preferem se esconder em suas mentiras por meio das quais enriquecem enganando o povo.


  Frederico intervém na situação e usando de sua prerrogativa, exige uma audiência para Lutero em território Alemão, em Augsburg; audiência a que ele comparece em 12 de outubro de mesmo ano, Frederico ansiava por ver a Saxônia livre da tirania italiana e protegia a integridade da universidade que recém fundara e na qual Lutero ensinava, e o papa não o queria contrariar abertamente pois deseja contar com seu voto para eleger o imperador que lhe fosse favorável; assim foi arranjado que Lutero comparecesse perante Caetano, um legado papal, dominicano e seguidor de tomas Aquino, que durante três dias apenas tentou arrancar de Lutero a confissão, ao que não obteve sucesso, e tentou convencer Frederico a envia-lo a Roma ou expulsa-lo da Saxônia, perante tal situação Lutero sentiu que poderia ser sequestrado para Roma e tratou de voltar para Wittenberg.


  Depois apareceu uma outra ocasião em que deveria lutar pela causa do evangelho, quando novamente arriscou- se saindo da jurisdição de Frederico III e indo cooperar com Andreas Karlstadt que dirigia-se a Leipzig para uma disputa teológica com Jonh Eck, o que interessava muito a Lutero pois Eck havia contestado as suas teses, e Lutero disputava com ele por meio da imprensa; afirmando que seus argumentos não encontravam fundamento bíblico e chamando-o de “animal sedento de glória! ” E como não seria surpresa, o debate centralizou-se na disputa entre Lutero e Eck, que por certo era possuidor de vasta erudição e usou todos seus recursos de conhecimento teológico-filosófico; mas perante a firmeza da palavra de Deus, mostraram-se insuficientes para derrubar Lutero, seus pés estavam na rocha, a sua vitória vem do Senhor!


  Os argumentos, por mais complexos e eruditos que sejam não foram suficientes para demover Lutero da convicção que havia obtido na verdade da Sagrada Escritura, seu fundamento e causa de sua obra; e diante disso, o poder papal não intentou gastar mais palavras com tão insignificante pessoa, e da mesma forma que todos os lideres autoritários em diferentes épocas e lugares, uma vez que não mais existem argumentos suficientes, emprega-se a força a enfim silencia-se a voz contradizente. 


Assim em Junho de 1520 o papa, usando de seu poder, emitiu uma Bula que conclamava Lutero a arrepender-se de suas “heresias” e humilhar-se perante o poder da igreja no prazo de 60 dias; Lutero esta diante da manifestação de um poder que foi despertado por sua             atitude ousada, mas também firmada nas razões da Sagrada Escritura, e tem em mente que muitos antes dele foram os que desafiaram esse poder e aparentemente saíram perdendo.


  E digo aparentemente, pois o que aos olhos humanos foi com certeza uma derrota apresenta-se pelas evidencias históricas incontestáveis como parte necessária de um esforço conjunto de vidas que se dedicaram até o fim por uma verdade que estava cativa e que pode finalmente encontrar sua liberdade por meio do sacrifício das vidas daqueles que por ela lutaram; o sangue de cada mártir, desde Estevam, que ousou contrariar o sinédrio, dos irmãos que rejeitaram o poder romano, e os reformadores que não se curvaram ao papa; não foi Lutero que fez a Reforma, mas com certeza, quando ele teve a coragem de ficar do lado certo, passou a ser participante desta lista de heróis que com seu sangue ajudaram a escrever esta história do Cristianismo liberto da tirania dos homens gananciosos; lembrem-se, Atos dos Apóstolos ainda esta sendo escrito por mim e por você!


  O tempo passava e o papa não observava em Lutero a atitude esperada, o pequeno monge não tomou consciência de sua insignificância perante o poder que dele exigia sua total submissão; como ousa? Certamente essa é a surpresa dos grandes da terra perante a audaciosa ação daqueles que estão inspirados pelo Santo Espirito de Deus e que movidos por essa força realizam as maiores proezas, desprezando o risco e a humilhação, pois Cristo, nosso Senhor, venceu o mundo e consumou a sua obra e nós, em suas pisadas também venceremos; Lutero não podia mais voltar atrás, não podia negar a verdade mais clara que a luz do sol, o sol da justiça se manifestará sobre ele, e nega-lo seria o sintoma de demência; mesmo diante das mais sinistras perspectivas, não havia mais volta antes morrer na certeza em Cristo do que viver na confortável duvida; o papa jamais poderia lhe proporcionar o que ele encontrara em Cristo; aquela dor e as trevas que a muito o atormentavam finalmente foram dissipadas por uma luz jamais emanada dos cerimoniais e dos signos tão importantes a esta instituição, e por mais que seu braço o esmague, morrerá feliz, pois sente em si a vida eterna no perdão e no amor recém- encontrado no Pai celestial, que o perdoou e o fortalece nessa empreitada.



3. CARTA ABERTA À NOBREZA ALEMÃ



  Ao invés de recuar perante o risco da própria vida, Lutero por certo passou a entender, que muito mais importante que seu bem estar como individuo, ele passara a fazer parte de uma ação que se propagava ao longo de um grande grupo de homens e mulheres que dedicaram sua vida a propagar a verdade de Deus e denunciar a mentira onde quer que se manifeste e assim é que ao longo de 1520 laborou intensamente por inflamar os corações com o mesmo proposito que já o incendiava; escreveu a: Carta aberta a nobreza alemã; documento por meio do qual, definitivamente conclamava a nobreza a assumirem também sua responsabilidade histórica ante o momento; assim como podemos verificar nas escrituras que Deus levantou pessoas diferentes em situações diferentes para por meio de sua ação realizarem a sua obra, cada uma em sua forma de atuação; vemos isso quando lemos que Deus levantou Moisés, filho de escravos, em risco de morte, adotado pela filha de Faraó, como uma estratégia Divina, criado na corte, mas não divorciado do amor por seu povo; depois foragido entre os Midianitas, criando ovelhas e concluindo todo o processo de formação da maior liderança do antigo testamento e autor do código de Leis mais importante da humanidade.

  

  Deus também que levantou Amós, um simples tangedor de gado, que serviu como voz profética entre os Israelitas e denunciou seu pecado, mesmo em dias de grande prosperidade entre esse povo, certamente suas obras tem diferenças de complexidade e extensão bem como de influencia, mas não em valor, pois ambas existem como veículos do cumprimento dos planos de Deus para os seus; assim, o chamado de Lutero é que cada um se conscientize de sua posição, de sua importância e do que pode e deve fazer para com sua ação fazer prevalecer a verdade e combater a mentira com as armas que tiver disponível; certamente esse chamado também se dirige a nós; use seu talento.


  No mesmo ano também escreveu o livro denominado: O cativeiro Babilônico da Igreja; obra na qual, Lutero definitivamente manifesta toda sua repulsa ante a construção de mentiras nas quais a Igreja havia se constituído, certamente chegou ao ponto em que toda a possibilidade de reconciliação mostrava-se perdida, e Lutero usa a situação histórica do cativeiro, vivenciada pelos Judeus em 586 a.C. como uma metáfora do que a verdadeira Igreja de Cristo, conforme apresentada pela escritura, estava vivendo em relação o que a Igreja Romana e seu papa representava; esta obra denuncia o cativeiro e pretende conscientizar o povo acerca das correntes que os estão aprisionando a credos mentirosos, por isso nessa obra Lutero ataca heresias tais quais os sacramentos, mostrando que a escritura nos revela apenas a Ceia e o Batismo, e com relação a ceia, também denuncia a mentira da transubstanciação (mesmo tendo Lutero ficado ele mesmo ligado a um conceito de ceia chamado consubstanciação, o que impedirá uma aliança entre ele e Zwinglio) e mostrando todo o engano empreendido pelo sistema papal, o que se constituía em um verdadeiro cativeiro, do qual todos deveriam ser libertos e por isso mesmo deveriam ser incentivados a reação, ser instigados a livrarem-se das correntes para enfim desfrutarem da liberdade do evangelho de Cristo, “se o Filho do homem vos libertar, verdadeiramente sereis livres”.



3.1 A Liberdade Cristã



  Prosseguiu Lutero em sua luta pela liberdade, e enfim termina por desestruturar totalmente toda a logica artificial construída e imposta ao povo e que fazia da igreja a única detentora das chaves da salvação e do povo, os miseráveis necessitados de seu beneplácito, prontos a executarem suas ordens, sem a menor sombra de questionamento para então poder alcançar por meio de seu ministério exclusivo, algum mérito que os assegurem o acesso ao tão desejado reino celestial, no qual se veriam livres da desgraçada vida na terra.


  Essa consciência escravizadora e intensamente subserviente, proporcionou a igreja o poder total sobre as almas, pouquíssimos foram os que ousaram olhar para fora dos muros e ver a liberdade; a esmagadora maioria abaixava a cabeça e rezava conforme a cartilha, até que, cansado das frustradas tentativas de dialogo, e vendo tudo o que Deus nos proporcionava em liberdade por meio da escritura, todos os textos legados por homens e mulheres usados por Deus para anunciarem a liberdade por meio do poder de Deus; Lutero não criou ou inventou o conceito da liberdade do povo e seu acesso direto a Deus, ele apenas os entregou ao povo e os instigou a querer saber mais sobre isso por meio do livro chamado: A liberdade do Cristão. 


  Com essa iniciativa, Lutero pretendia enfim instigar a todos que se insurgissem contra as trevas nas quais estavam submersos, e permitissem que a luz da palavra, experimentassem a liberdade em Cristo; E’le faz do cristão verdadeiramente livre, ou seja; não somos cativos dos ritos sacerdotais, pois todo cristão é um sacerdote em Cristo e pode chegar diante de Deus e ao mesmo tempo somos também servos uns dos outros para por meio da obediência a Deus e sua palavra, servimos como veículos para difusão da sua verdade; como observamos nesse trecho:



17° - pode-se perguntar: em que consiste, portanto, a diferença entre sacerdotes e leigos no seio da cristandade, uma vez que todos os cristãos são sacerdotes? Resposta: a multidão abusou dos termos “sacerdote”, “padre”, “eclesiástico”, etc., aplicando-os ao pequeno grupo que agora denominamos estado eclesiástico. A única distinção que a sagrada escritura reconhece se reduz ao que ela chama sábios ou cristãos consagrados, “ministri”, “servi”, “oeconomi”, ou seja, “ministros”, “servos”, “administradores”, porque elas devem pregar aos outros Cristo, a fé e a liberdade cristã. Com efeito, embora sejamos sacerdotes, não podemos todos oficiar ou assegurar o serviço Divino ou pregar. É o que diz Paulo (1° epistola aos Corintios IV, 1): “não queremos mais ser considerados senão como servidores de Cristo e administradores do evangelho.” Mas agora, dessa função de administrador surgiu uma denominação e um poder temporal e exterior tão pomposo e tão temível que o verdadeiro poder temporal não pode de algum modo lhe ser comparado, precisamente como se os leigos fossem outra coisa e não, cristãos.

  Desse modo, desapareceu toda a compreensão da graça, da liberdade e da fé cristãs e de tudo o que devemos a Cristo e ao próprio Cristo. Em troca disso adotamos todos em massas leis e as obras dos homens e nos tornamos inteiramente escravos das pessoas mais vis que a terra jamais produziu.


Martinho Lutero; A liberdade do Cristão; Ed Escala; pg 32; 2007.



3.2 Frederico III, Eleitor da Saxônia.


  Com tais palavras, Lutero evidencia para todos as falcatruas e as artificialidades por meio das quais a igreja romana tem estendido seu domínio sobre as almas dos homens e em um caminho sem volta, Lutero declara abertamente seu antagonismo a esta instituição, esmagadoramente maior que ele mesmo, mas não maior do que o Deus no qual se fiava, e com estas obras, convoca nobres, lideres, cidadãos e enfim todos a também confiarem e abertamente se insurgirem contra toda a mentira e exigirem a verdade da palavra de Deus como único guia para seu povo, não mais o vigário de Roma e seus funcionários.

  Não é de se surpreender que sua obra provocasse uma reação violenta por parte da instituição de Roma; tanto que em 12 de Novembro de 1520 parte de seus livros foram queimados em Cologne, em um ato de grande hostilidade, agora é guerra aberta; e por tanto, requeria também medidas que deixassem muito claro por parte de Lutero qual era sua posição em relação à peleja; e para que não restasse duvida, em 10 de Dezembro do mesmo ano, aproveitando uma das muitas manifestações que passaram a se multiplicar contra o império papal, Lutero aproxima-se de uma fogueira e queima o instrumento papal de dominação, sua Bula, com as seguintes palavras: “porque você confundiu a verdade de Deus, hoje o Senhor confundiu você. Para o fogo com você!”.


  Não era mais possível respeitar as ordens de um líder que se encontrava desviado de seu papel de conduzir o povo a Cristo e ao conhecimento de sua verdade! Que preferia manter o povo distanciado de Deus e submetido às praticas vazias das missas rezadas em latim por sacerdotes que davam as costas ao povo; que ordenava que seus subalternos viajassem pelas terras vendendo indulgencias que prometiam até perdões antecipados á pecados futuros desde que entregassem a Roma o maldito metal com o qual abarrotava seus cofres; um líder que permitiu que seu sistema se torna-se uma fonte de intenso enriquecimento por meio do abuso da ignorância de uma massa entregue a mil superstições e totalmente privada do que é uma vida de fé e de comunhão verdadeira com Deus, em prol de manter um domínio total e inquestionável sobre uma horda de cegos. 


  Não! Nem um homem é mais importante do que Deus e nenhuma ideia esta acima de sua palavra; assim Lutero prosseguiu em seu antagonismo, mesmo que lhe custasse à vida, e a cada vez mais parecia que esse seria o preço, pois mais e mais a atitude de Roma demonstrava o interesse em lhe silenciar a qualquer custo; e para tanto, o papa, em 3 de Janeiro de 1521 excomunga Lutero, o que na pratica, torna-o uma pessoa detestável e passível de sofrer a pena capital a qualquer momento o por qualquer pessoa, uma vez que foi desligado da igreja por motivo de heresia, tornando-se uma pessoa perniciosa, o que o levaria a morte certa se Deus em sua infinita misericórdia não houvesse providenciado que ele estivesse sob a jurisdição de alguém que lhe assegurava alguma proteção.

  

  O impasse que Lutero se tornou ganhou outras proporções, saiu da esfera unicamente religiosa e passava a interferir nas plataformas politicas da Europa, o pequeno monge alemão agora atraia a si a atenção de um papa e de um imperador, pois o problema agora passou a envolver Carlos V; homem sedento de poder, que estava construindo fortes alianças, favorável ao papa e a supremacia da igreja Romana em toda a Europa, mas que também precisava estabelecer uma boa politica com os eleitores alemães, e dentre eles Frederico III, eleitor da saxônia, uma figura importante e um impasse na questão do monge de Wittenberg.



3.3 CARLOS V


  A próxima batalha de Lutero se desenrolará em outro campo, na dieta de Worms, em um concilio presidido por Carlos V e por meio do qual esperava-se fortalecer as alianças na Alemanha e para o papa, configurava-se em uma oportunidade de por um fim nessa Lutero contou com o salvo conduto de Frederico, mas isso não era total garantia de vida, pergunte à Hus! –mas não havia como recuar, e lá foi ele comparecer perante representantes da autoridade Romana, e das autoridades Alemãs nas pessoas de seus eleitores e perante a coorte imperial de Carlos V; seus livros foram expostos perante ele; não lhe ofereciam oportunidade como teve perante Eck para argumentações; apenas queriam que ele se recolhesse a sua insignificância e submissamente declarasse seus erros e clamasse por misericórdia, ao que o imperador poderia aproveitar para tornar favorável a si os eleitores alemães; mas não. Isso não era do feitio de Lutero, e esse não era o proposito de Deus para seu servo; quanta estranheza não causou quando pediu um tempo; (não teve tempo suficiente para pensar no caminho?) e mesmo a contragosto, deram-lhe um dia, e retornando a audiência, contrariando o que queriam as autoridades presentes e com a costumeira audácia, tomou a palavra e com a certeza dos justos declarou, conforme conferimos na obra de Andrew Atherstone:


O interrogador de Lutero, Johann der Eck (secretario-chefe do Arcebispo de Trier) advertiu-o que não alegasse que era mais sábio do que todos os professores da igreja e tinha melhor conhecimento da Bíblia do que eles. Exigiu que Lutero se retratasse sem mais equívocos, ao que o professor respondeu:

-“a menos que eu seja convencido pelo testemunho das escrituras ou pela razão clara (pois não confio no papa ou nos concílios unicamente, visto que é sabido que eles erram e contradizem-se), estou preso pelas escrituras que citei e minha consciência é cativa da palavra de Deus, não posso e não me retratarei, já que não é seguro nem certo ir contra a consciência, que Deus me ajude! Amem.”

Andrew Atherstone; A Reforma, as transformações de um mundo em conflito; Ed CPAD; pgs 42-43; 2017.


  O imperador não se impressionou muito, mesmo com esse forte discurso, e depois da audiência foi emitida a condenação de Lutero, agora ele tinha pouco tempo para aproveitar seu salvo- conduto e dirigir-se a Wittenberg.


4. CASTELO DE WARTBURG, ESCRITÓRIO DE LUTERO.


  Mesmo que lá as autoridades tivessem que impreterivelmente cumprir o veredicto do imperador e finalmente por um fim ao inimigo da igreja e na visão desta tragédia é que novamente o eleitor da Saxônia, novamente mostrou o quanto estava engajado em proteger Lutero da sanha dos poderosos de sua época; assim é que em 4 de Maio de 1521, por meio de um sequestro forjado, Lutero é capturado no caminho de Wittenberg e levado secretamente ao castelo do eleitor em Wartburgo; onde de Dezembro daquele ano, até Março de 1522 Lutero viverá disfarçado, adotando o pseudônimo de Juncker George e vivendo como Fidalgo; enquanto isso, empreendia uma obra magna, que será para sempre a base sobre a qual foi fundada a estrutura linguística e literária da Alemanha e seu vernáculo, a tradução do Novo Testamento diretamente do Grego para o idioma Alemão, agora colocado em lugar de honra ao receber em seus caracteres a língua pátria.


4.1 Da DIETA de WORMS ao casamento com Catarina.


  Depois destes fatos, muitos outros ainda      ocorreram na vida do reformador, que não teve mais a oportunidade de voltar à tranquilidade do claustro, uma vez que se tornara o cabeça de um movimento que tomará proporções nunca antes imaginadas; em 6 de Março retorna a Wittenberg e em 5 de Maio de 1525 morre o corajoso homem que acreditou na Reforma e fez o que pode para dar o apoio que podia a causa; depois disso, Lutero vê a Alemanha entrar em outras convulsões, como por exemplo a revolta dos camponeses, onde alguns lideres tentaram aproveitar suas ideias para tentar dar respaldo a insurreição civil por meio da violência; situação a que reagiu com total desprezo, deixando claro que jamais pretendeu conduzir as massas à anarquia, e enfim a revolta foi contida com grande morticínio em Junho de 1525; sua vida estava definitivamente mudada, tanto que o anteriormente monge, votado ao celibato, agora abandona esse antigo ideal para viver uma vida matrimonial com a também antiga celibatária Catarina Von Bora, com quem constituiu uma família.


4.2 Lutero e Família, em meio às vicissitudes.


  Mas não somente boas novidades, em torno de si, Lutero viu a reforma desenrolar-se em uma terrível guerra religiosa; Carlos V, cioso de impor o catolicismo à todos seus súditos, empreendeu guerra aos príncipes Alemães que se filiaram a reforma, que alias já se espalhava por outras terras como por exemplo aos escandinavos da Suécia e lá lançava profundas raízes (um dos seus filhos, futuramente trará as nossas terras a semente do evangelho pentecostal) e essa hostilidade levou os príncipes a se organizarem na chamada Liga Schmalkald, que os fortaleceu a fim de resistir aos ataques das tropas imperiais até ser firmada a paz de Augsburg em 1555; mas antes disso, o reformador terminou sua obra colossal, traduzindo toda a sagrada Escritura para o Alemão em 1534; e finalmente, depois de muitas batalhas, parte para o Senhor em 18 de Fevereiro de 1546, deixando para seus continuadores a tarefa de também participarem da construção do Templo de Deus, a Igreja, cujo fundamento é Cristo, a Rocha secular e do qual todos nós somos pedras vivas, como disse o apostolo Pedro em sua epistola, uma importante obra foi realizada por Martinho Lutero, como nas palavras de Bruce:



A maior influencia de Lutero para a historia, contudo não foi politica. Foi religiosa. Ele ofereceu novas e animadoras respostas a quatro questões básicas católicas. Para a pergunta sobre como uma pessoa é salva. Lutero respondeu: “não por obras, mas somente pla fé”. Para a questão relativa a base da autoridade espiritual, ele respondeu: “não na visível instituição chamada igreja Romana, mas na palavra de Deus, que se encontra na Bíblia”. Para a questão “o que é a igreja?”, sua resposta foi: “servir a Deus em qualquer chamada útil, leigo ou clerical” toda a descrição clássica do Protestantismo deve apresentar essas questões centrais.

Bruce L. Shelley; Historia do Cristianismo ao alcance de todos; Ed Shedd; pg 274; 2004.


CONCLUSÃO



  O reformador fez a parte dele, com seus acertos e erros não foi omisso; agiu em prol da obra de Deus, mais do que uma postura imitativa, tenhamos a devida empatia de permitir que a mesma indignação, tristeza, empolgação, confiança e coragem também permeiem a nossa ação como igreja espiritual de Cristo, e onde quer que estejamos, trabalhemos a fim de ver erguer-se em todo lugar o Templo de Deus, a casa a qual Jesus defendeu com seriedade e zelo, falando enfaticamente: “minha casa será chamada: casa de oração!” – façamos a nossa parte, firmados na verdadeira fé, fundamentados unicamente na Sagrada Escritura, enfatizando a exclusividade de Cristo como único Mestre e Senhor, o qual nos chamou pela sua maravilhosa graça, para vivermos para a glória de Deus e fazermos sua obra, até o fim.


Mas o justo viverá da fé; E, se ele recuar, a minha alma não tem prazer nele. Nós, porém, não somos daqueles que se retiram para a perdição, mas daqueles que crêem para a conservação da alma.



H e b r e u s 1 0 . 3 8 - 3 9















BIBLIOGRAFIA 


Philip Hughes; História da Igreja Católica; Ed Dominus SP. 1962.

J. H. Merle D’Aubigné; Historia da Reforma do Decimo Sexto Século; volume I; Casa Editora Presbiteriana, 1951.

Robert Hastings Nichols; História da Igreja Cristã; Casa Editora Presbiteriana; 1960.

Ricardo Bitun; A Reforma Protestante, história teologia e desafios; Ed Hagnos; 2017.

As 95 Teses de Lutero; Ed CPAD; 2017.

Martinho Lutero; A liberdade do Cristão; Ed Escala; 2007.

Andrew Atherstone; A Reforma, as transformações de um mundo em conflito; Ed CPAD; 2017.

Pierre Gisel; Lucie Kaennel; Enciclopédia do Protestantismo; Ed Hagnos; 2016.

R. N. Champlin; enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia; volumes 3 / 5; Ed Hagnos; 2014

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