FUNDAMENTO DA ÉTICA

 



FUNDAMENTO DA ÉTICA: ABSOLUTO OU RELATIVO? 

Vitor Rodrigo Couto Silva 

RESUMO 

Este trabalho tem como objetivo demonstrar as visões éticas concernente o seu fundamento, ou seja, o que faz com que uma ação seja certa ou errada. Não tenho como objetivo defender uma tese, antes estimular no leitor se aprofundar por si mesmo nesta questão, estudando cada uma das escolas éticas apresentadas, bem como seus proponentes. Acredito que sem ter um posicionamento consciente e coerente sobre o fundamento da ética não será possível ter uma vida coerente com a realidade que nos cerca. Como disse Sócrates “uma vida não examinada não vale a pena ser 

vivida”.  

ABSTRACT 

This paper aims to demonstrate the ethical visions concerning its foundation, that is, what causes an action to be right or wrong. I do not aim to defend a thesis, but to stimulate the reader to delve deeper into this question by studying each of the ethical schools presented, as well as their proponents. I believe that without having a conscious and coherent positioning on the foundation of ethics it will not be possible to have a life consistent with the reality that surrounds us. As Socrates said, "an unexamined life is not worth living". 

PALAVRAS-CHAVE: Fundamento da ética; absolutismo ético.   

INTRODUÇÃO 

Uma das grandes questões da filosofia desde os gregos, mais especificamente Platão, é acerca da ética. Aristóteles coloca a ética no campo das ciências práticas e desenvolve uma obra muito importante para a filosofia chamada “Ética à Nicômaco”. Várias escolas filosóficas se debruçaram sobre essa área do saber (epicurismo, estoicismo, cristianismo, utilitarismo, niilismo, 

entre outros). 

Existem várias questões dentro do campo da ética (bioética, ética política, ética sexual, ética descritiva, normativa e aplicada, etc). Todavia, essas questões acima dependem de uma outra área da ética chamada “metaética”. Meta” traduzida do grego significa “além”, “transcendência”. 

Quando se fala de metafísica, está discutindo o que está além da física, da mesma forma metaética é

a discursão do que está além da ética, ou seja, o fundamento da ética.  

 O fundamento da ética discute questões como, a ética é absoluta ou relativa? A ética é uma norma vinda de Deus ou é um construto social ou ainda uma outra coisa? Existe de fato uma ética? Todas as civilizações têm uma ética idêntica ou elas se divergem? Se são idênticas como justificar tal coincidência? Se são divergentes, a ética é relativa a cada povo? Essas e outras questões semelhantes serão discutidas nesse artigo.   

O FUNDAMENTO DA ÉTICA 

De acordo com Norman L. Geisler existem seis escolas éticas que procuram responder a pergunta “há leis éticas objetivas?”. Sobre isso Craig  disse “afirmar que existem valores morais objetivos significa dizer que algo é bom ou mau independentemente do que as pessoas pensem a seu respeito”. O que Craig quer dizer é que valores morais objetivos existem e eles não foram criados 

pelos homens.  

Norman L. Geisler  em seu livro “Ética Cristã: opções e questões contemporâneas” resume o pensamento dessas escolas da seguinte forma: 

o antinominismo diz que não há leis morais; o situacionismo afirma que existe uma lei absoluta; o generalismo reivindica que existem algumas leis gerais, mas não existem leis absolutas; o absolutismo não qualificado acredita em muitas leis absolutas que nunca são conflitantes; o absolutismo conflitante defende a ideia de que há muitas normas absolutas que algumas vezes são conflitantes, o que nos obriga a escolher o menor de dois males, o absolutismo graduado diz que muitas leis absolutas são conflitantes, e nós somos responsáveis por obedecer àquela que for mais elevada  

Discorreremos brevemente sobre cada uma dessas escolas, porém a perspectiva generalista se resume no pensamento utilitarista que será analisada na perspectiva antinominista. Os três tipos de absolutismo (não qualificado, conflitante e graduado) serão analisados juntos, já que o foco desse artigo não é sobre as particularidades do absolutismo, mas somente demostrar qual o fundamento do absolutismo. 

ANTINOMINISMO 

Comecemos então pelo antinominismo. A palavra “antinominismo” significa literalmente “anti lei” ou “contra a lei”. Nesse sentido não existe nenhuma lei absoluta, não há um padrão de ética universal. A raiz desse pensamento remete-se a Heráclito quando disse “nenhum homem banha-se duas vezes no mesmo rio, pois a cada vez que ele se banhar encontrará outras águas”. Epicuro defendia que bom é aquilo que traz prazer e mau aquilo que traz dor. Os céticos antigos, como Sexto Empírico, defendiam que em todas as questões existem dois lados que podem ser defendidos, nunca chegando a uma conclusão, o que levaria a ausência de uma ética absoluta.  

  Na Idade Média encontramos o intencionalismo e o voluntarianismo . O primeiro foi 

defendido por Pedro Abelardo. Ele defendia a ideia de que um ato é bom se feito com boa intenção e mau se feito com mau intenção. O padrão ético estaria no sujeito - o que varia de indivíduo para indivíduo - e não fora dele, em sua ação em si. O segundo foi defendido por Guilherme de Ockham. Este defendeu a ideia de que bom e mau são dependentes da vontade de Deus. Nesse sentido a ética é relativa a vontade de Deus que poderia e pode, por exemplo, determinar a tortura como boa. 

  No mundo moderno encontramos escolas como o utilitarismo. Uma ação ética para os 

utilitaristas é aquela que traz a maior quantidade de prazer e a menor quantidade de dor (Jeremy Bentham). John Stuart Mill, outro proponente do utilitarismo, qualificou alguns prazeres, dando-lhes mais importância do que outros. Ele chegou a dizer que é melhor ser um homem infeliz 

do que um porco feliz.  

Sorem Kierkegaard é o pai do existencialismo. Ele defendia que nosso dever em obediência a Deus ultrapassa nosso dever moral. Kierkegaard exemplificou seu pensamento tendo como base a história de Abraão da Bíblia que, ao mando de Deus, foi sacrificar seu filho inocente Isaac, o que seria um assassinato. A essa atitude de Abraão, Kierkegaard chama de “salto da fé” que vai além da moral humana. Jean-Paul-Sartre  aproximou o existencialismo do antinominismo argumentando que não existe nenhum ato ético no mundo real. Em seu livro “O ser e o nada” ele disse “pouco importa 

se alguém se embriaga sozinho ou é líder de muitas nações, é tudo a mesma coisa”.  

Talvez um dos pensamentos que mais tem influenciado as pessoas seja o “evolucionismo” de Charles Darwin. Mas quem elaborou uma ética evolucionista foram T.H. Huxley e Julian 

Huxley. Eles defenderam que bom é tudo o que ajuda no processo evolucionário e mal é tudo o que atrapalha esse processo. Alguns anos depois Adolf Hitler, em seu livro Mein Kampf (Minha luta) defendeu essa teoria evolucionista ocasionando o Nazismo. 

  Na era contemporânea o antinominismo vem revestido do emotivismo, do niilismo e do 

situacionismo. O emotivismo defendido por A. J. Ayer argumenta que não existe certo e errado no campo da ética. Quando se diz que é errado assassinar, nada mais significa que “não gostamos do ato de assassinar”. Portanto as afirmações éticas dependem de nossas emoções e não de qualquer 

outra coisa.  

Friedrich Nietzsche - defensor do niilismo (redução ao nada, aniquilacionismo) - em sua famosa frase “Deus está morto, e nós o matamos” em seu livro “Assim falou Zaratustra” sustenta o 

pensamento de que, já que Deus não existe, não pode existir nenhum padrão de certo e errado.  

Por fim, a última escola antinominista é o situacionismo. Joseph Fletcher, defensor do situacionismo, diz acreditar em uma ética absoluta, mas isso é discutível, pois o próprio nome de sua escola ética é “situacionismo. Essa escola é uma nova vertente do utilitarismo, ou seja, certo e errado dependem de seus resultados. O próprio Fletcher chegou a dizer que devemos evitar expressões como “nunca” e “sempre”. Vejamos abaixo um pouco mais do situacionismo.    

SITUACIONISMO 

 Como foi falado acima a escola situacionista é uma vertente do utilitarismo, mas difere da mesma, pois defende como princípio o amor como a base da ética. Nesse sentido a lei é suprimido pelo amor. Joseph Fletcher  um dos mais importantes proponentes do situacionismo disse “Somente o mandamento de amar é definitivamente bom”. Ele ainda disse  “todas as outras coisas, sem exceção, todas as leis, todas as regras, todos os princípios, todos os ideais e todas as normas são 

apenas contingentes; são válidos somente se estiverem a serviço do amor em qualquer situação”. 

Quatro escolas estão enquadradas dentro do situacionismo, são elas: pragmatismo, relativismo, positivismo e personalismo. Para o pragmatismo bom é semelhante ao bom do utilitarismo, ou seja, bom é aquilo que funciona, que dá certo. O relativismo entende que tudo é relativo desde que esteja fundamentada no amor. Já para os positivistas não existem valores na natureza, antes esses valores são escolhas das pessoas que devem agir em prol do amor. Por fim, a visão personalista é semelhante ao positivismo. Acreditam que não há nada que seja inerentemente bom à não ser o ser humano. Nesse sentido os seres humanos podem usar todas as coisas para seu bem. Geisler  resumiu muito bem o pensamento situacionista:  

O situacionismo é uma ética com estratégia pragmática, tática relativista, atitude positivista e centro de valor personalista. É uma ética com um único absoluto, sob o qual tudo se torna relativo e se direciona para o fim pragmático de fazer o bem às pessoas.  

Todas as escolas éticas acima defendem o relativismo ético, seja relativo ao amor, à utilizade ou a qualquer outra coisa. A partir de agora iremos abordar o absolutismo ético  

ABSOLUTISMO 

 O absolutismo ético é a escola que defende princípios éticos absolutos, ou seja, há regras morais universais que não dependem da pessoa, do local, período ou situação. Uma ação praticada por um mendigo hoje deve ter os mesmos princípios de uma ação feita por um rei na antiguidade. As obrigações de ambos, no que diz respeito aos princípios, são as mesmas. Entre os principais defensores desse pensamento estão: toda a tradição cristã (Agostinho de Hipona, Martinho Lutero, Willian Lane Criag, etc), Emmanuel Kant. 

O pensamento kantiano atribui o fundamento da ética não em Deus, pois não sabemos se Ele existe ou não, mas no valor da vida humano fundamentado na razão. Falando sobre a ética kantiana 

Marcondes  disse que “O pressuposto fundamental da ética kantiana é assim a autonomia da razão”.  A ética kantiana também é conhecida como “Imperativo Categórico”. Esse conceito diz que os valores e deveres morais são válidos incondicionalmente. A célebre frase que exemplifica o pensamento de Kant “age somente de acordo com aquela máxima pela qual possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal” corrobora com a lei áurea da ética aceita pela maioria das 

pessoas “não faças aos outros o que não queres que façam a ti”. 

A tradição cristã fundamenta seu ponto de vista na existência de Deus que é o juiz que irá julgar as pessoas pelas suas obras “Isso tudo se verá no dia em que Deus julgar os segredos dos homens, mediante Jesus Cristo, conforme o declara o meu evangelho .”.  

Para Agostinho de Hipona 9a existência de valores morais objetivos está fundamentado em Deus “investiguei o que era a iniquidade, e não encontrei uma substância, mas a perversão da vontade que se desvia da suprema substância  -- de ti, Deus”. Deus é o bem supremo e ser sua 

imagem e semelhança é ser bom. 

O filosofo Craig10 em seu livro “Em Guarda: defendendo a fé cristã com razão e precisão” no capítulo 6 faz uma pergunta fundamental para nossa discursão “Podemos ser bons sem Deus? Ao fazer essa pergunta estamos propondo uma pergunta sobre a natureza dos valores morais”. Um pouco a diante Craig faz um silogismo categórico para provar que Deus existe, mas prestemos atenção na primeira e na segunda premissa desse silogismo: 

1. Se Deus não existe, também não existem valores morais objetivos nem deveres. 

2. Valores morais objetivos e obrigações existem. 

3. Logo, Deus existe. 

O que Craig está dizendo é que a ética é objetiva e as pessoas devem agir conforme essa 

ética.  

A frase "SE DEUS não existe e a alma é mortal, tudo é permitido" dos irmãos Irmãos Karamazov em Fiódor Dostoiévski demostra muito bem a argumentação utilizada pelos cristãos. A frase acima indica que não podemos reivindicar certo ou errado sem antes aceitar a premissa de que Deus existe. Deus é, portanto, o fundamento da ética sem o qual a própria ética não existiria.  

CONCLUSÃO 

Após a análise dessas escolas éticas com seus pensamentos concernente ao fundamento da ética podemos ver que o assunto é muito mais abrangente do que nos parecia antes da leitura desse artigo. Cabe a cada um de nós nos aprofundarmos ainda mais nessa questão do fundamento da ética, 

 

9 AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Penguim Classics Companhia das Letras, 2017, p. 185. 

10 CRAIG, Willian Lane. Em Guarda: defenda a fé cristã com razão e precisão. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 139. 

O pastor Vitor Rodrigo Couto Silva congrega na ADSA Brasil. É casado com Tamiris Couto e pai do Johnny Couto. Formado em Bacharel em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Licenciado em História pelo Centro Universitário Claretiano e Licenciatura Plena em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu.  

Atualmente está Mestrando em Teologia em Divindade pela Faculdade Internacional em Teologia Reformada (FITRef) e cursando Pós-graduação em Bíblia pela faculdade luterana (Est). 

 

É professor de teologia e de história. 

 

pois a ética é uma disciplina prática, totalmente conectada ao nosso dia-a-dia. René Descartes afirmava que o ser humano é um ser pensante, mas mais do que isso, o ser humano é um ser ético.   

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

AGOSTINHO, Santo. O livre-arbítrio. São Paulo: Paulus, 1995.  

AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Penguim Classics Companhia das Letras, 2017. 

CRAIG, Willian Lane. Em Guarda: defenda a fé cristã com razão e precisão. São Paulo: Vida Nova, 2011. 

GEISLER, Norman L. Ética Cristã: opções e questões contemporâneas. São Paulo: Vida Nova, 2015. 

MARCONDES, Danilo. Textos básicos de ética: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.  

RACHELS, James. Os elementos da filosofia da moral. Barueri, SP: Manole, 2006. 

SARTRE, Jean-Paul-. Busca da liberdade e desafio da história. São Paulo: Editora Ensaio, 1991. 

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